“A arte é lembrança, é vivência, é contestação, é denúncia, é um grito”.
Da seiva branca que escorre do caule lenhoso às peças negras que se impõem pela provocação. O orgânico apresentado pelo geométrico. As lembranças da infância e o olhar desafiador da artista que molda a matéria abrasadora. O impacto e a leveza que conduzem ao desafio do pensar. Assim é a Ocupação Vânia Barbosa, que lança sobre a Casa da Cultura novos e questionadores olhares, a partir desta quinta-feira, 6 de setembro. A artista nascida na vizinha Pequi e criada em Pará de Minas, traz à cidade um pouco do talento que já foi apresentado no Palácio das Artes, no Museu de Arte da Pampulha, no Centro Cultural UFMG e no Museu Histórico Abílio Barreto, em Belo Horizonte, no Centro Cultural Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, no Museu de Arte Contemporânea da USP e no Museu de Arte Moderna da Bahia, dentre tantos outros espaços de arte consagrados.
Em vários ambientes da Casa da Cultura, o olhar da artista se revela em esculturas, fotografias e vídeos. O conjunto integra a programação do 9º Festival de Arte e Cultura de Pará de Minas e do 6º Festival de Palhaços ParaBenjamim, realizados pela Prefeitura, em comemoração aos 159 anos de Pará de Minas.
A abertura da instalação artística aconteceu com a presença do Secretário Municipal de Cultura e Comunicação Institucional, Paulo Duarte, do Assessor de Cultura, José Roberto Pereira, artistas e alunos da Escola Estadual Professor Pereira da Costa, além de participantes do Workshop Na trilha do Trem, que Vânia Barbosa ministrou na Escola de Artes e Ofícios Raimundo Nogueira de Faria – Sica.
Recado
Ao chegar à Casa da Cultura, o visitante vai se deparar com Trama, trabalhos feitos com borracha, que já estiveram em exposição no Palácio das Artes, na capital mineira. “Quero que as pessoas pensem um pouquinho. Não é só ver. Não pensem que vão encontrar só beleza porque, às vezes, nas coisas feias há um recado muito forte”, avisa àqueles que forem conhecer seu trabalho. E se a arte também leva ao questionamento e à busca do outro olhar, é da própria Vânia que parte a primeira pergunta: “Por que escolhi a borracha?” A resposta tem raízes na sua infância. “O material é muito importante pela relação existente entre eu, ela e Pará de Minas. Que bom estar junto com Pará de Minas e Pará de Minas estar comigo (nesse trabalho)”, declara emocionada. “Quando eu vim pra cá, eu brincava com esse material. Eu escorregava no pó de borracha. Eu brincava dentro dos pneus”, se recorda. Estão bem frescas as lembranças do avô percorrendo a fábrica da família, falando sobre as máquinas e seus olhos vislumbrando outras possibilidades da matéria-prima. “Eu ficava fascinada era com a beleza da borracha”, declara. Esse encantamento persiste até hoje. Mesmo o material aceitando tintas e cores, a artista prefere não usar nenhuma delas. “Eu não consigo. Acho que isso mascara a beleza dela”, considera.
“Isso é arte?”
“Gostei muito da oportunidade de trazer para cá a reflexão: isso é arte? O que ela quer falar com isso? Esses questionamentos me interessam”, explica a artista. “Muitas pessoas passam em frente a um espaço de cultura e têm medo de entrar. É importante para mim que as pessoas conheçam a minha arte, que só se completa se tem o outro. Não tem sentido eu fazer arte e ficar com ela só pra mim. Com o olhar do outro, essa intercessão se completa. Isso faz parte do trabalho do artista, junto com a montagem e a opinião do outro”, explica. “Ocupar é diferente de invadir. A arte aqui, neste espaço, está ocupando um lugar que é dela, por meio de uma linguagem própria”, ensina.
Caminhos que se cruzam
E como ela mesma diz, “A arte é lembrança, é vivência, é contestação, é denúncia, é um grito”. Por isso, também no primeiro andar da Casa da Cultura, ecoará a força da arte protesto de Vânia, que chama a atenção contra a exploração do minério em Minas. “As montanhas vão sendo escavadas e o que restará?”, provoca. E aí, seu pensamento se conecta com Pará de Minas: o prédio da estação (ferroviária) está ali, a linha não está mais ali. O trem não passa mais. Será que não? Ele não está visível, mas há a memória da memória. São rastros que ficam. São caminhos que se cruzam”, lembra. “É preciso parar e escutar”, alerta.
Imagens dos invisíveis
O grito pelos excluídos também compõe o trabalho de Vânia Barbosa apresentado na Casa da Cultura. Sobre essa outra faceta do seu trabalho, ela diz que devemos “dirigir nosso olhar para aquilo que estamos acostumados a desviar ou quem sabe já passamos a nem ver”. Segundo ela, são pessoas como os moradores de rua, os detentos, os negros, idosos e deficientes, que se tornam invisíveis diante da indiferença. “Nesse trabalho, eu pergunto: Em quem a sociedade pisa? Quem é o estrangeiro? Todos nós já fomos estrangeiros em algum momento. Em algum momento, já nos sentimos estranhos em um lugar”, ensina. “São pessoas tão ricas, que têm tanto a nos oferecer e muitas vezes a mídia faz bloqueio entre a sociedade e essas pessoas”, afirma a artista, que vai também mostrar suas impressões sobre os invisíveis em um vídeo que aborda a loucura.
A Ocupação Vânia Barbosa pode ser visitada até o dia 10 de outubro, de segunda a sexta-feira, das 7 às 17 horas, na Casa da Cultura (Praça Torquato de Almeida, 26 – Centro).